A rua onde eu morava, texto de José Carlos Serrano Freire — uso escolar

13 03 2012

A rua onde eu morava

A rua onde eu morava era muito alegre!

Era tão alegre que só consigo me lembrar dos dias de muito sol e noites enluaradas. Acho que não chovia naquela época.

Mas também acho que são sempre assim as ruas das crianças.

Todo mundo se conhecia, todo mundo era amigo. Às vezes nós brigávamos, mas logo logo fazíamos as pazes.  Criança é assim mesmo, não tem tempo para ficar com raiva.

Nossas brigas eram sempre por motivos nobres: alguém palmeou a mais no jogo de bola de gude; bateu com muita força na hora do pega-ladrão; não quis ficar colado na hora de pegar a bandeirinha e outras coisas dessa gravidade.

Minha rua era muito feliz, porque nós não sabíamos perceber a infelicidade.

Era sempre festa. Os amigos estavam sempre juntos. Tinha o Zezinho, o garoto rico da rua, filho da dona Olga, uma portuguesa durona; tinha a Lucinha, que todo mundo queria namorar.  Tinha o Manteiga, o Saião, o Manel Gordo (era assim mesmo, ninguém conseguia chamá-lo de Manoel), tinha o Boca de Sapo e o Meleca, entre outros. Que turma!

Na minha rua era sempre época de alguma coisa.

Tinha a época de soltar pipas, de manjar balão, de rodar pião, de jogar bola ou búrica, de roubar goiaba. De futebol não, era sempre época.

Em frente da casa onde eu morava tinha um pé de manacá, que é um arbusto sempre florido e muito perfumado.  De tanto vovó falar que gostava dele, sempre que vejo um pé de manacá, eu lembro da vovó.

Na hora de manjar balão, tinha sempre um engraçadinho para contar uma história de lobisomem ou de mula-sem-cabeça.  Era terrível.

Engraçado, agora apercebo, parece que não se fala mais em lobisomem ou mula-sem-cabeça.  Será que eles também acabaram?

Quase no final da minha rua, tinha um morro onde, lá em cima tem, até hoje, a igreja de Santa Catarina.

Nós costumávamos subir até certa altura, levando um pneu. Chegando lá, um de nós se acomodava dentro do pneu e os outros empurravam ladeira abaixo.  Ah!  não tinha coisa melhor. Você rodava, rodava, rodava e chegava lá embaixo tonto, tonto e quase vomitando.

Certo dia, o Manel Gordo resolveu experimentar a brincadeira.  Todos nós empurramos o gordo pra dentro do pneu e… lá foi ele. A barriga do Manel parece que esparramava para os lados do pneu e ele esticava os braços pedindo para parar. Não tinha jeito. Só conseguiu parar dentro de uma poça de lama. Rapidinho alguém acabou com a nossa brincadeira.

Tenho muitas histórias da minha rua para contar.  Só não tenho quem queira ouvir.  Ninguém tem tempo. É uma pena, porque a minha rua tinha muitas histórias interessantes.

Tomara que os adultos deixem as crianças de hoje construírem ruas felizes também.

Em: Cheiro de Manacá, José Carlos Serrano Freire, Rio de Janeiro, Editora Caetés: 1998

José Carlos Serrano Freire (Brasil) Professor, Bacharel em Direito, Trainer em Programação Neurolinguística, palestrante, escritor, Diretor do Instituto Prof Serrano Freire.

Obras:

Afinal… Por que os nossos alunos não aprendem

Seja o professor que você gostaria de ter

Sou professor, 2002

Como não matar seu cliente de raiva, 2008

Feliz vida nova, 2001

Cheiro de Manacá, 1998

Um anjo em minha vida

Meu amigo Paulinho, 2003

Os amigos do Paulinho

A rua onde eu morava, 2004

A arte de falar em público


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2 responses

29 10 2015
Avatar de Sandra Valoura Sandra Valoura

“Em a rua onde eu morava”, conforme eu ia lendo parecia que estava lá nos anos 60, no Engenho de Dentro revivendo a minha infância e adolescencia, tinha até um amigo do meu irmão, apelidado de boca de sapo. Tive amigos incríveis e inesquecíveis, que estavam guardados lá no passado e você me fez o favor de trazê-las para o presente através do seu texto.
Muito obrigada, foi um prazer entrar em contato com sua obra.
Atenciosamente.
Sandra Valoura

29 10 2015
Avatar de peregrinacultural peregrinacultural

Sandra eu também gostei muito desse poema. Volte sempre.

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